sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

ESTAÇÃO PRIMEIRA DE MANGUEIRA


“O Filho Fiel, Sempre Mangueira”

A Mangueira me chama, eu vou
Sempre fui o seu defensor
Sou um filho fiel
Á Mangueira eu tenho amor
Foi a Mangueira quem me deu apoio e fama
Até hoje ela me ama
Agora vieram me dizer
Que a Mangueira me quer ver quer me ver
(A Mangueira me chama)

A Estação Primeira de Mangueira pede passagem para afirmar, em plena Marquês de Sapucaí, que um dos maiores baluartes da sua história, Nelson Antônio da Silva, o nosso Nelson Cavaquinho, que completaria 100 anos de nascimento em 2011, está vivo e comparece a Marquês de Sapucaí, com o seu talento e a sua poesia, para dizer que o Rio de Janeiro é esta festa de criatividade porque tem filhos como ele.

E pede passagem também para contar o belo caso de amor envolvendo o poeta e a nossa comunidade. Um caso de amor que começou na década de 1930, quando Nelson Cavaquinho, carioca nascido nas proximidades da Praça da Bandeira, apareceu no Morro de Mangueira na condição de soldado da Polícia Militar, atividade que exercia por influência do pai, Brás Antônio da Silva, tocador de tuba e contramestre da banda de música da PM. Mas, desde menino, Nelson tocava cavaquinho - e passou logo a ser conhecido como Nelson Cavaquinho - e fazia sambas e choros, razão pelo qual aproximou-se imediatamente de Cartola (seu amigo e ídolo), Carlos Cachaça, Zé Com Fome, Alfredo Português e Zé da Zilda. Quis o destino que ele, montado em seu cavalo, tomasse o rumo da Mangueira. "Buraco quente", "Pendura saia", "Olaria" e "Chalé" passaram a ser uma espécie de extensão da casa dele, um quintal do poeta.

Quem havia sido designado a cuidar da ordem estava envolvido na boemia e atraído pelo charme e calor de um morro que se consagrava como o mais rico canteiro de cultura popular da nossa cidade. Foi nessa época que Nelson trocou o cavaquinho pelo violão, um instrumento, por sinal, que tocava num estilo absolutamente original, com a utilização apenas do polegar e do indicador da mão direita. A troca de instrumento, porém, não alterou o pseudônimo que o consagrou, pois permanece Nelson Cavaquinho até agora, quando comemoramos um século do seu nascimento.

A boemia fez dele um personagem de grande destaque nas noites do Rio de Janeiro e também pela convivência com a fina-flor do samba mangueirense. Ele sempre impressionou os apreciadores da música popular brasileira pela capacidade de compor letras e músicas tão sofisticadas que chega a ser inacreditável que aquele homem tão simples fosse capaz de criar obras tão sofisticadas, trabalhando sozinho ou com o seu excelente parceiro Guilherme de Brito…

Nelson Cavaquinho e Cartola viveram uma experiência de grande importância na história do samba do Rio de Janeiro, quando ambos, ao lado de Zé Kéti, eram as atrações principais do Zicartola - a primeira casa de samba do Brasil e responsável pela projeção de novos valores da nossa música - Paulinho da Viola, por exemplo - e pelo retorno de sambistas que raramente se apresentavam em público, como Ismael Silva. Foi ouvindo os sambas cantados no Zicartola que Nara Leão, até então considerada a musa da Bossa Nova, decidiu gravar o seu primeiro disco com as obras daqueles compositores.

A partir do Zicartola, o Rio de Janeiro foi contemplado com a moda das rodas de sambas, com destaque para as Noitadas de Samba do Teatro Opinião. Todas as segundas-feiras apresentavam Nelson Cavaquinho como atração principal. Numa dessas noitadas conheceu a cantora Beth Carvalho.

Beth era uma menina da Zona Sul, que ia todas as segundas no teatro Opinião ver Nelson cantar. O poeta ficara muito impressionado, pois a menina sabia tudo do seu repertório… De admiradora e fã, virou sua principal intérprete e querida amiga. Assumiu, imediatamente, a condição de sua principal intérprete, incluindo um samba dele em cada disco que gravava, até que gravou um CD totalmente tomado por obras do extraordinário compositor. "Folhas secas", por exemplo, foi uma espécie de presente da dupla Nelson Cavaquinho/Guilherme de Brito para Beth Carvalho.

A Estação Primeira pretende apresentar um retrato de Nelson Cavaquinho, chamado algumas vezes de "o trovador dos aflitos". Mulheres, botequins, dor de cotovelo e até a morte são temas predominantes nos seus sambas. Certa vez, não permitiu que o relógio da sua casa passasse das duas horas da madrugada, porque sonhara que morreria naquela noite, às três horas da manhã. Nelson
sempre conviveu com a fatalidade e, por isso, sua poesia é marcada pela melancolia.

Compunha com intensa paixão para os solitários dos bares, para as mulheres sem alma, para os errantes e plebeus da noite.

Apresentamos também o boêmio de um profissionalismo um tanto ou quanto estranho, pois era capaz de pagar com músicas as compras de comestíveis para sua casa. Portanto, saibam todos que alguns dos parceiros desconhecidos, cujos nomes aparecem em suas músicas, são, na verdade, pequenos comerciantes ou feirantes e fornecedores de gêneros alimentícios para sua família. Quando estava sem dinheiro, ia até a Praça Tiradentes e vendia o produto que melhor sabia fazer, seus sambas. César Brasil, um de seus "parceiros", era gerente de um velho hotel, no Centro do Rio de Janeiro, e incapaz de compor um verso ou de tocar uma nota, em qualquer instrumento, mas entrou para a história como um dos autores de um dos mais belos samba do gênio: "Degraus da vida". Foi na Praça Tiradentes, também, que conheceu Lygia. Uma mulher sem teto e que se tornara sua companheira de copo. Nelson a considerava tanto que tatuou seu nome no braço. Muitos o criticaram por isso, então, compôs: "Muita gente tem o corpo tão bonito e a alma toda tatuada" (Tatuagem).

Enfim, apresentamos Nelson Cavaquinho ao grand complet, chamando atenção, naturalmente, para o grande caso de amor entre ele e a Mangueira, um caso que o grande compositor fazia questão de tornar público. Agora, o morro que ele tanto subiu é que desce para exaltar sua vida e sua obra. E cada componente da nossa escola vai viver intensamente a sua vida, beber da sua obra e louvar a sua alma boêmia. Seremos uma só voz! Empunhando uma só bandeira! Estação Primeira de Mangueira, com muita emoção e garra, anuncia por quem dobram os surdos de primeira.

Na manhã do dia 18 de fevereiro de 1986, aos 75 anos, morreu o homem, mas o poeta vive! Então vem, Nelson! Vem receber as "flores em vida"! Você, que sempre fora um Filho Fiel, a Mangueira o chama mais uma vez! E agora é para sempre, por que de hoje em diante, nunca mais você será chamado de saudade.

…Mas depois que o tempo passar, sei que ninguém
vai se lembrar que eu fui embora
(Quando eu me chamar saudade)

Quando eu piso em folhas secas
Caídas de uma mangueira
Penso na minha escola…
(Folhas secas)

Em Mangueira
Quando morre um poeta todos choram
Vivo tranqüilo em Mangueira porque sei
Que alguém há de chorar quando eu morrer
(Pranto de um poeta)

Finjo-me alegre, pro meu pranto ninguém ver
Feliz àquele que sabe sofrer
(Rugas)

Sei que a maior herança que tenho na vida, é meu
coração, amigo dos aflitos
Sei que não perco nada em pensar assim
Porque amanhã não sei o que será de mim
(Caridade)

Mas o sambista vive eternamente no coração da
gente
Os versos de Mangueira são modestos
Mas há sempre força de expressão…
Ô, foi Mangueira que chegou
(Sempre Mangueira)

Tire seu sorriso do caminho que eu quero passar
com a minha dor… Hoje pra você eu sou espinho…
Espinho não machuca a flor
(A Flor e o Espinho)

Vingança, meu amigo eu não quero vingança. Os
meus cabelos brancos me obrigam a perdoar uma
criança
(Notícia)

Do mal será queimada a semente…
O amor será eterno novamente
(Juízo Final)

Sei que estou no último degrau da vida, meu amor
Já estou envelhecido, acabado
Por isso muito eu tenho chorado
(Degraus da vida)

Fui tão bom pra ela, dei meu nome a ela
Tudo no princípio eram flores
Sem saber que eu era demais, entre seus amores.
(Mulher sem alma)

Graças a Deus minha vida mudou! Quem me viu,
quem me vê a tristeza acabou
(Minha Festa)

Nesse mundo de Deus tudo pode acontecer
Porque que eu não posso
Te esquecer?
(Aceito teu adeus)

E quando vejo a torre bem alta,
Daquela linda catedral,
Fujo de tua amizade, infernal.
(Devia ser condenada)

Levantei-me da cama, sem poder
Até hoje ninguém veio me ver
Fui amigo enquanto eu tive dinheiro
Hoje eu não tenho companheiro
(Dona Carola)

A luz negra de um destino cruel
Ilumina um teatro sem cor
Onde estou representando um papel
De palhaço do amor....
(Luz Negra)

Você tendo vida, saúde e dinheiro
Todos lhe querem muito bem
Mas se você fracassar
Pode Ter a certeza
Que ninguém vai lhe procurar
(Nem todos são amigos)

Vamos pra bem longe da maldade
Deus que nos guie
Em direção à bondade
(Tenha paciência)

Vou partir não sei si voltarei...
tu não me queiras mal
hoje é carnaval
(Vou partir)

Vou sair daqui
Seu caso cheira à vela
Quem está te olhando é o marido dela
(Cheira à vela)

Quando eu passo perto das flores
Quase elas dizem assim:
Vai que amanhã enfeitaremos o seu fim
(Eu e as flores)

Meu coração é terra que ninguém passeia
Tu és igual a quem traiu Jesus na Ceia
Sou companheiro
Não mereço ser trocado por dinheiro
(Minha honestidade vale ouro)

Deus, Nosso Senhor, devia castigar
O infeliz que faz uma mulher chora
(Nome sagrado)

Sei que choras palhaço
Por alguém que não lhe ama
Faça a platéia gargalhar
Um palhaço não deve chorar
(Palhaço)

Meu reinado é cheio de ilusão
E ninguém de mim tem compaixão
(Rei vagabundo)

Noites eu varei
Mas cada amor me fez um rei
Um rei vadio…
(Rei vadio)

Passei a mocidade esperando dar-te um beijo
Eu sei que agora é tarde, mas matei o meu desejo
É pena que os lábios gelados como os teus
Não sinta o calor que eu conservei nos lábios meus
(Depois da vida)

Hoje não é dia 1º de abril
Com essa cara, outra vez, você mentiu
Por favor, não faça isso, mais
Se outra vez você mentir eu sei do que serei capaz
(1º de abril)

Já vem a saudade outra vez me visitar
Que visita triste, só me faz chorar
Para ninguém ver o meu pranto
Boa noite para todos! Eu vou me retirar
(Visita triste)

Carnavalesco: Mauro Quintaes e Wagner Gonçalves

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