quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

MOCIDADE ALEGRE


“Ojuobá - No Céu, os Olhos do Rei... Na Terra, a Morada dos Milagres... No Coração, Um Obá Muito Amado!”

Sob a luz do carnaval, o G.R.C.E.S. Mocidade Alegre pede agô às forças celestiais para mostrar, em forma de poesia, não um resgate, mas sim a plenitude de seu orgulho de ser descendente da cultura afro-brasileira.

Para tanto mostraremos em desfile, através da obra predileta de Jorge Amado –

Rufem os tambores… Que se cumpra a profecia de Ifá para o mundo novo: nascer, crescer e se misturar!

Axé, Morada do Samba!
Tenda dos Milagres – um viés da tradição dos Ojuobás, os representantes de Xangô que buscam a justiça na Terra. No Céu, os Olhos do Rei…

- Kaô, meu pai… Justiça, meu pai Xangô! Justiça aos teus filhos, tirados do seio da Mãe África e levados a força para esta terra distante!

Olhando para o céu, com a fé ardente de quem conhece o axé, assim clamou um Ojuobá – os “Olhos do Rei”, evocando Xangô… Orixá da justiça… Senhor do fogo… Rei dos raios e dos trovões… Guardião da verdade!

- Venha, meu pai… Venha olhar por teus filhos, feitos escravos e sedentos da tua justiça e da tua verdade!

Num gesto de amor e proteção ao seu povo, Xangô apontou seu oxé em direção a uma terra virtuosa e selvagem, faceira e promissora, repousada do outro lado do mar de Yemanjá, a sua mãe. Xangô ordenou paz e liberdade ao seu povo, o povo negro… Afinal, não poderia haver injustiça… Não nesta terra de todos os deuses, de todos os santos, de todas as raças…

E assim se fez… Pelas armas de Xangô, finalmente o negro é livre… Liberdade ao povo do Rei de Oyó!

Bradou orgulhoso e triunfante o Ojuobá, com a força dos vitoriosos:
Kaô, Xangô…

Kaô, meu pai…

Kaô Kabecile!

Na Terra, a Morada dos Milagres…

Foram-se os grilhões… Ficou o preconceito! De que adianta a liberdade, sem a igualdade?

Mais uma vez um Ojuobá rende seu clamor a Xangô, pedindo a igualdade de valor para um povo mestiço, que é resultado de mistura de raças e de fé, que encontrou no Brasil um braço forte e na Bahia o seu recanto. E, mais do que nunca, a gente mestiça se vê desejosa de livrar-se das amarras do preconceito.

E assim, Xangô age em defesa do seu povo ao guiar a mente de um escritor que fez de sua obra uma grande exaltação a mestiçagem, à tradição popular e a cultura negra. Seu nome: Jorge Amado!

Em suas obras, Amado nos apresenta uma Bahia de pele morena. Uma gente que faz das ruas de São Salvador o palco onde desfilam mistérios que só se encontram naquele pedaço da África no Brasil. De onde vêm esses mistérios, ninguém sabe. Dos batuques do candomblé? Dos saveiros do cais? Das igrejas? Do mercado? O literato da alma brasileira recomenda que não se tente decifrar os segredos da cidade, pois seus mistérios envolvem por completo o corpo, a alma e o coração dos baianos. Amado nos apresenta uma baianidade singular e exótica, com docilidade, ritmo, sensualidade, feitiço, afetividade, capoeira e, claro, o candomblé.

Mas foi cumprindo os desígnios de Xangô, justiceiro do povo negro e mestiço, que Jorge Amado escreveu aquela que se tornaria sua obra predileta: Tenda dos Milagres!

Tenda dos Milagres é uma gráfica localizada no Pelourinho, lugar onde um certo negro, amigo de um Ojuobá, pintava milagres católicos por encomenda. Porém, o local era também palco de candomblé e da capoeira de Angola. O livro é um grito pela justiça social e pela igualdade contra o preconceito racial e religioso. Abriu caminhos e quebrou preconceitos. Tem por base o orgulho pela miscigenação, responsável pelo surgimento da verdadeira “cor do Brasil”, nos deixando uma importante mensagem: Há de nascer… Há de crescer… E há de se misturar!

A obra também pode ser considerada a perfeita tradução da alma do povo brasileiro através da Bahia de Jorge Amado, com sua gente e seus deuses quase humanos. Uma Bahia acima de tudo sincrética, povoada por negros, mulatos e brancos que se ajoelham nas igrejas e dançam nos terreiros, com a mesma devoção e total sinceridade.

O sincretismo na Bahia não é questão de raça ou de fé, mas sim um traço cultural, como podemos observar na associação entre orixás do candomblé e santos católicos.

Mas é nas ladeiras de São Salvador, onde comidas típicas de origem africana preparadas pelas mães-de-santo, respeitadas tias quituteiras, são servidas no dia da lavagem da igreja de Nosso Senhor do Bonfim, das homenagens a Iemanjá e a Nossa Senhora dos Navegantes, entre outras manifestações culturais e religiosas, como o Afoxé e a Corte do Congo, que consagram a cultura negra e o encontro do sagrado e do profano na Bahia de Todos os Santos.

Ê Bahia faceira… Pedaço da África no Brasil… Seu axé ganhou o mundo… Pelo talento de Jorge Amado a justiça de Xangô está feita!
No Coração, Um Obá Muito Amado!

Jorge Amado fez o mundo olhar o Brasil com mais admiração e respeito, ao retratar em suas obras um povo mestiço, alegre, festeiro e sensual. Foi quem melhor contou as histórias do povo negro da Bahia através de seus inesquecíveis personagens libertários e místicos, que transitaram com liberdade entre mundo o real e o imaginário. A partir dele não podemos mais pensar em nosso país sem as cores e o sensualismo, a mestiçagem e o sincretismo, a fibra e a alegria que inspiraram e deram identidade às suas obras imortais.

E como consagração a quem tanto fez e amou a “Raça Brasileira”, Amado recebeu o título de

Rufem os tambores da Bahia em consagração ao “Obá muito Amado”!

E assim, sempre que houver injustiça, haverá também um Ojuobá – Os “Olhos do Rei” – a invocar Xangô que, pela força das suas armas ou pela inspiração do seu axé, fará justiça e cobrirá de verdade o seu povo… Povo que veio da África e contribuiu definitivamente para a formação da identidade da alma brasileira… Um povo cada vez mais destinado a “nascer, crescer… se misturar”, e ser muito feliz!

Obá Amado, a Morada do Samba, em nome de toda a Nação Brasileira, agradece a você por sua obra, por defender essa raça da qual nos orgulhamos de fazer parte e continuaremos defendendo, com as armas de Xangô!

Kaô, meu pai…

Kaô Kabecile!

Axé!

(Sidnei França)

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