segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Veja as sinopses das Escolas de Samba do Rio de Janeiro

UNIÃO DA ILHA

“Dom Quixote de La Mancha... O Cavaleiro dos Sonhos Impossíveis”

"Num lugar da Mancha, de cujo nome não quero lembrar-me, vivia um fidalgo. Tinha em casa uma ama e uma sobrinha. Orçava em idade, o nosso fidalgo, pelos cinquenta anos. Era rijo de compleição, seco de carnes, enxuto de rosto, madrugador e amigo da caça... É pois de saber, que este fidalgo, nos intervalos que tinha de ócio, que eram muitos, se dava a ler livros de cavalaria com tanto empenho e prazer, e era tanta paixão por essas histórias, que chegou a vender parte de suas terras para comprar livros de Cavalaria. O que mais admirava era os "Os quatro de Amadis de Gaula", primeiro livro de cavalaria que se imprimiu na Espanha. E o pobre cavaleiro foi perdendo o juízo. Sua imaginação foi tomada por tudo o que lia nos livros - feitiçarias, contendas, batalhas, desafios, amores e disparates inacreditáveis. Foi assim que acudiu-lhe a mais estranha idéia , que jamais ocorrera a outro louco nesse mundo. Pareceu-lhe conveniente fazer-se cavaleiro andante, em busca de aventuras e viver tudo o que havia lido sobre o assunto".
Assim começa a saga de um cavaleiro que se tornou imortal. Escrito por Miguel de Cervantes, a princípio era uma crítica aos romances de cavalaria. Porém sua importância foi além dos limites que imaginara. É considerado o primeiro romance da era moderna e escolhido como o melhor livro já escrito até os dias de hoje.
Voltando ao nosso herói, ele escolheu um nome, Quixote de la Mancha, batizou seu magro cavalo de Rocinante, tomou um vizinho, lavrador pobre e bastante simplório, como seu fiel escudeiro. E para cavaleiro andante nada mais lhe faltava a não ser uma dama. Foi então que se lembrou de uma aldeã por quem já fora enamorado, embora ela nunca tenha sabido, chamada Aldonza Lorenzo. Pôs-lhe então o nome de Dulcinéia del Toboso. Assim, armado e montado em Rocinante, acompanhado pelo escudeiro Sancho Pança montando seu burrico russo, Dom Quixote resolve sair em busca de aventuras, que devo dizer não foram poucas. Investiu contra os moinhos de ventos, achando que eram gigantes, obra do grande feiticeiro Fristão, tomou rebanho de ovelhas por exércitos inimigos, e fez o mesmo com uma manada de touros. De um barbeiro, levou-lhe a bacia dourada, pois achava que era o elmo de Mambrino, colocou-a na cabeça e esta bacia passou a fazer parte de sua indumentária enferrujada e antiga, pertencente a seu bisavô.
Enquanto Dom Quixote se aventura pelo mundo, sua sobrinha, ajudada por amigos, resolve destruir todos os livros de cavalaria dele e bloqueia a porta do seu escritório, para parecer que esta sumira como que por encantamento. No afã de leva-lo de volta para casa, o noivo da moça se disfarça de cavaleiro da Branca Lua e desafia Quixote para um torneio. Caso ele perdesse, teria que se refugiar em casa por um período de um ano, esquecendo-se das aventuras de cavaleiro andante.
Quixote é vencido por seu oponente e, como era fidalgo de palavra, volta para casa, para júbilo de todos, e aos poucos vai recobrando a sensatez e esquecendo-se das aventuras do grande D. Quixote de la Mancha.
"Quixote encanta pela loucura da luta por ideais dos quais a razão desistiu. Os humanistas domesticados pela razão cínica viraram técnicos em acomodação".
Quixote, como Cervantes, foi-se em agitação criativa e penúria material. Quatro séculos após a sua vinda, restam o quixotesco de anedota, frases divertidas, fugaz admiração. Do ideal, apenas a glória do derrotado. Venceu o pragmatismo de Sancho. Mas vale a pena ler, quimeras são sempre divertidas, a infância ou a loucura ainda mora na essência das nossas almas quixotescas...
"Sonhar, Mais um sonho impossível Lutar Quando é fácil ceder Negar quando a regra é vender... Voar num limite improvável Tocar o inacessível chão".

Rosa Magalhães – Carnavalesca


IMPERATRIZ

“Brasil de Todos os Deuses”

Uma terra abençoada! É um Brasil que nasce de homens bem-aventurados, de uma história de dores e de alegrias, que gera um povo miscigenado, criativo e crente no que se tem de mais valor: o poder dos deuses. Seres iluminados, supremos, espirituais ou materiais, sagrados ou profanos, divinos de um Brasil de todos os Deuses. Brilha! A Coroa da Imperatriz Leopoldinense às coroas das divindades...
Despertamos da imensidão do nosso Brasil, do “realismo mágico” do Reino de Tupã à nossa criação. Povoado pelo consciente imaginário dos índios brasileiros – os donos da terra; ressoam das matas cantos, louvores, ritos, rancores, paixão e fé. No enredo do meu samba, Tupã é umDeus, genuinamente, “brasileiro”. Ele é a força divina, como no mito guarani da criação, que desce à terra personificado em um manto de luz e cor e cultuado como Deus do Carnaval. É Tupã que une e apresenta os elementos constitutivos das religiões brasileiras e o fenômeno religioso universal do Homem, que crê em Deus, em Olorum, em El, em Alá, em Maomé, em Jeová, em Buda, em Brahma, ou seja, em um Ser Superior.
Tupã, de seu trono, tudo vê. No século XVI, treze caravelas de origem portuguesa aportam em terras brasileiras. À primeira vista, tais navegadores, cumprindo um contrato religioso, acreditam tratar-se de um grande monte e chamam-no de Monte Pascoal. Realizam, em 26 de abril de 1500, a primeira missa no Brasil. Desde então, as atitudes e imposições dos homens brancos aos filhos de Tupã, e até mesmo aos negros africanos que, posteriormente, viriam para além-mar na condição de escravos, cultuou-se o cristianismo. A cruz marca o testemunho de fé desses navegadores portugueses, que reconhecem Cristo como “Deus Homem” ou como a encarnação de Deus. Assim, a fé cristã é difundida, chegam as catequeses e a lavoura e, com elas, a exploração do Novo Mundo, desvendado por Seu Cabral. O sopro forte de Tupã vai nos mostrando a nossa formação. Criam-se doutrinas, estórias, mitos e lendas. Sob a inviolável fé cristã, vindos da África Ocidental, os negros africanos trazem, além da dor da escravidão, suas crenças, suas divindades, suas lembranças... de um ritual chamado N’Golo, praticado nas aldeias do sul de Angola, à época do rito da puberdade– que representava a passagem da moça para a condição de mulher. Também aporta, com os negros africanos, o culto dos Orixás – que atuam como intermediários entre o mundo terrestre e o Deus Negro – chamado Olorum ou Olodumaré, o Princípio Criador.
O Brasil transcende a um princípio de unidade geral: negros, índios e europeus ganham um só corpo, viram uma só gente, abençoada pelos “deuses brasileiros”. É o despertar poético de uma ardente nação, uma nação, que perante os olhos de Tupã, vê navegar sobre seus mares, navios a vapor trazendo homens, mulheres, velhos e crianças (1870-1930) à nova terra. A viagem marca para sempre a vida dos imigrantes europeus, asiáticos, indianos, americanos, entre outros. Partir assinala o encerramento da origem da sua existência, sublinhado pelo traço genérico comum da ansiedade, estranheza, expectativa da chegada e a reconstrução de uma nova vida em outro país. Até que o processo de imigração viesse a se concretizar, fatos como a visão etnocêntrica (dos nacionais) e a autopercepção do imigrante como estrangeiro contribuíram para reforçar os laços de grupo, os laços familiares e, sobretudo, os laços religiosos.
As tradições religiosas dos imigrantes no Brasil fundiram-se a nossa brasilidade. Dos bairros étnicos, judeus, árabes, ortodoxos, japoneses budistas ou xintoístas, alemães protestantes, e até indianos hare krishnas, com suas formas de linguagens, expressões diretas e atuantes, preservam seus mistérios e cultuam seus deuses...

Do Judaísmo: “um velho pastor, cansado da fome e da seca, certa vez ouviu uma voz a dizer: Parte da tua terra. Era o Senhor, que propôs guiar aquele homem até um lugar abençoado, onde água e comida nunca faltariam. Em troca, ele deveria adorá-Lo como o único Deus e espalhar pelo mundo uma mensagem de justiça. A proposta era arriscada numa época em que reis exploravam o trabalho de camponeses, invasores ameaçavam cidades-estado e os povos, em busca de proteção, veneravam várias divindades. Mesmo assim, o pastor aceitou o acordo. E foi recompensado por isso. Seu nome era Abraão. Ele sobreviveu a guerras, catástrofes naturais, perseguições. E seus descendentes foram guiados numa longa jornada rumo a Canaã – a Terra Prometida” (Revista Superinteressante, março 2009)
A narrativa da aliança entre Deus e Abraão é uma das mais conhecidas da tradição judaico-cristã e, embora nunca tenha sido confirmada historicamente, pode explicar como surgiu a primeira grande religião monoteísta, o Judaísmo.

Do Budismo: a essência do pensamento budista focado nas Quatro Nobres Verdades:

1º dor (a vida é cheia de dor);
2º a origem da dor (a dor provém do desejo de experiências sensoriais);
3º sobre a superação da dor (atingir o estágio da nirvana); e
4º o caminho que leva à superação do desejo (o desejo apaga-se quando se segue o “Meio-Caminho”, o sagrado caminho das regras da vida): a pureza da fé; da vontade; da ação; dos meios da existência; da atenção; da memória; e da meditação.
Uma filosofia espiritualista de vida baseada integralmente nos profundos ensinamentos do Buda para todos os seres, que revela a verdadeira face da vida e do universo.

Do Islamismo: a religião que mais cresce no mundo contemporâneo nasceu na Península Arábica a partir da reflexão de Maomé em torno da multiplicidade de deuses existentes nas tribos da própria península, assim como das religiões petrificadas e presas no formalismo ritualístico, sem a vivificação espiritual desejada e desejável, como o cristianismo ortodoxo grego, o cristianismo romano e o judaísmo.
Nos treze séculos que se passaram de sua gênese, a religião congrega hoje mais de 800 milhões de adeptos, unidos pelo sentimento profundo de pertencimento a uma só comunidade. E essa expansão, que continua, é, principalmente, em virtude de um espírito de universalidade que transcende qualquer distinção de raça e permite a cada povo se integrar no Islã, mas, ao mesmo tempo, conservar sua cultura própria.

Do Hinduísmo: uma intersecção de valores, filosofias e crenças, derivadas de diferentes povos e culturas.
Tem sua origem pelo ano de 1500 a.C. Nasceu a partir dos elementos religiosos dos vencedores (arianos) e vencidos (os autóctones). Provém da experiência humana. Consiste na investigação das profundezas da alma, na reflexão sobre si mesmo, da preocupação em não deixar escapar nada de experiência.
O credo fundamental do Hinduísmo é o da existência de um espírito Universal chamado Brahma (alma do mundo). Essa alma do mundo, também chamada de Trimurti, o Deus Trino e Uno, tem esse nome porque acreditavam que ela era: 1. Brahma, o Criados; 2. Vishnu (Krishna), o Conservador; 3 – Shiva, o Destruidor.
A religião hindu acredita ainda em muitos deuses. Existem cerca de 33 milhões de deuses. Os sacerdotes hindus afirmam que são apenas representações de diferentes atributos de Brahma ou nomes do mesmo Deus.
No destino imaginário da humanidade celebram a vida e percorrem o caminho da verdade. Todos de braços dados e peito aberto em um convívio fraterno, sem ódio nem rancor, da passarela do samba mostram pro mundo que a união entre as crenças é um ato de amor... Entre o sagrado e o profano, Brasil de todos os Deuses é a devoção de cada religião, é a celebração das festas religiosas. Da Festa do Divino, que tem origem nas comemorações portuguesas a partir do século XIV e que no Brasil é marcada pela esperança de uma nova era para o mundo dos homens, com igualdade, prosperidade e boa colheita. Do Reisado, da festa do negro que se faz no Congado, da Cavalhada – a histórica batalha entre cristãos e mouros, das romarias e dos beatos e sua peregrinação pelos caminhos da fé.
De um Brasil que vive em harmonia onde deus paga, onde deus cria e convive com o povo brasileiro no seu dia-a-dia:

Deus lhe pague! Deus lhe abençoe! Deus é o vosso Pai, Deus é o vosso guia... Vai com Deus! Deus é amor. Graças a Deus! Deus é meu pastor.
O encanto toma conta do espírito de Tupã que abençoa o Brasil como o templo da união de todas as crenças. Das matas indígenas ao cristianismo, dos cultos afros às manifestações religiosas, dos imigrantes, da festa da fé ao povo brasileiro. A Imperatriz Leopoldinense é o templo do Brasil, é o Brasil de todos os Deuses – um poema épico, erguido ao longo da nossa história, que pede passagem para contar em “canto e oração” a ação sociocultural de todas as religiões nesse encontro mágico e poético chamado Carnaval.

Max Lopes – Carnavalesco


UNIDOS DA TIJUCA

“É Segredo”

O enredo da Unidos da Tijuca em 2010 é segredo. Foram muitas pesquisas, estudos, reflexões, textos contendo ideias e informações importantes, de onde acontecimentos e personagens da história da humanidade vinham e iam. Apenas tentativas que não nos levaram a lugar algum. Apesar de escolhermos vários temas, descobrimos que nem sempre é possível revelar na Avenida como tudo aconteceu. Não encontramos explicações que nos proporcionassem o entendimento. Nem sempre esconder pode ser apenas uma divertida e inocente brincadeira.
As imagens surgiam para nos revelar alguma coisa, nos dar a certeza de que ali estavam respostas e, de repente, nada era mais como parecia ser alguns segundos atrás. Como isso pôde acontecer, se tudo parecia tão claro? Como num passe de mágica, o que tínhamos diante de nós se transformava em outra coisa. Inexplicável. Procuramos um caminho que nos levasse a decifrar e a entender o que se passava. Também não resistimos à tentação de buscar histórias relacionadas às antigas civilizações. Tantas já percorreram a Avenida mostrando como viviam povos antigos. Tantas...
Livros, mapas, textos, documentos valiosos... E fomos descobrindo que além das tantas histórias já reveladas existiam aquelas que nunca ninguém ousou transformar em carnaval. Por que não? Talvez porque num passado distante elas deixaram de existir. Viraram cinzas, poeira das grandes batalhas em que só a vitória importa. Custe o que custar.
Em leituras incessantes, varamos noites e dias. Nas páginas restantes de catástrofes que apagaram a memória dessas civilizações, muitas perguntas, poucas narrativas completas, dúvidas e muito mistério. E o tempo foi passando no contato com as informações recolhidas ao longo de séculos sobre povos que desapareceram e só nos deixaram perguntas.
Encontramos alguns vestígios de tantos outros povos que viveram em nosso planeta. Nesse planeta? Ruínas, marcas, restos. Túmulos escondidos, sinais claros da existência de lugares sobre os quais pouco conhecemos. Registros apagados pelo tempo. Histórias únicas e perdidas. Tanto conhecimento poderia ser traduzido em grandes enredos. Lugares que sabemos terem existido, mas que só a imaginação poderia reconstruir. Essas lacunas devem incomodar a todos aqueles que atravessam um processo de criação baseado na reconstituição histórica. Mas alimentam aqueles que se aventuram a criar lendas e, secretamente, preencher esses espaços ocultos.
Continuamos nossa busca. Conversas, debates acalorados, desânimo, excitação. Houve momentos em que chegamos bem perto de uma solução e, quando parecia que tínhamos encontrado, encarávamos mais uma vez o desconhecido, o indecifrável. Quem foram? Como viveram? Como fazer esse enredo, se não sabemos?
Esses homens não gostariam de ter deixado suas histórias para futuras gerações? Certamente não queriam esconder sua cultura, hábitos, rituais que poderiam hoje estar ilustrando os livros, correndo nas telas dos cinemas, atravessando a Passarela do Samba.
Infelizmente, não tiveram essa escolha. Foram enterrados, incinerados, destruídos. Jamais saberemos sobre suas vidas, seu cotidiano, suas identidades.
Mesmo que quisessem esconder seus segredos, como sempre fizeram os homens de todos os tempos, nunca saberemos o que desejariam ter revelado sobre si mesmos. Nunca? Até agora, não.
Talvez devêssemos também desaparecer. Nos esconder e passar o carnaval disfarçados. Sumir na multidão. Pelos mais diferentes motivos. Os mais covardes e os mais nobres. Por errar e para acertar, também. Não agem assim os super-heróis e os vilões? Homens do bem e do mal? Espiões, bandidos, cientistas, escritores... Somem os homens, suas histórias, e somem coisas também. Aviões e navios desaparecem na imensidão. E nunca mais se sabe nada sobre eles. Então, começam a procurá-los. Criam inúmeras suposições sobre esses sumiços. Quem matou, quem fugiu, por que desapareceu? Onde se escondeu? Surgem histórias estranhas de todo lugar. Muitos acreditam que seres de outros planetas nos visitam para levar pessoas e objetos para estudos. Outros afirmam que extraterrestres já foram capturados e escondidos para pesquisa.
As especulações viram investigações e a procura continua. Revistam a casa, o trabalho, os caminhos virtuais. Hoje, a coisa mais fácil é encontrar um sujeito pela Internet. Quebram e clonam suas senhas. Fazem pior: derrubam empresas inteiras descobrindo códigos de acesso, quebrando sistemas de segurança. Esses são sujeitos que ninguém encontra. Nunca se revelam e são capazes de invadir a vida de qualquer um. Qual seria a chave para nos revelar a saída? Que outros enigmas, códigos, fórmulas secretas e poções mágicas poderão ainda ser revelados no futuro?
O que dirão quando souberem o que está acontecendo? É melhor não saberem, manter em segredo tudo isso. É melhor assumir o que não podemos esconder? Ou esconder o que não podemos assumir?
Mas se quiser tentar desvendar o que está acontecendo diante de seus olhos, não esqueça de que nem tudo o que se vê é o que parece ser... E se conseguir decifrar o que está por trás, não revele o segredo... Deixe-se levar pelo inesperado e surpreenda-se! No carnaval, você pode descobrir como são mutáveis as certezas que temos sobre o que vemos.

Paulo Barros – Carnavalesco


VIRADOURO

“México, o Paraíso das Cores, sob o Signo do Sol”

Feche os olhos. Se permita aflorar os sentidos. Se faça pleno de emoção, para viajar e experimentar. Sinta o calor do sol que nos abraça e nos convoca a sorrir e a comemorar
O sinal vital do tempo de festejar. Da honra de coroar, com toda paixão, nossa união com a vida, traduzida em forma de carnaval.
É a hora de homenagear uma nação guerreira, irmã de alma, quente e tenaz, Latina. Pela mágica retina da folia, celebrar “A criação”. Nascida nos esboços em carvão de um artista, na paleta das cores geniais de Rivera e Frida. Criar, valorizar, misturar as raças.
Reclamar a ideologia mestiça! Inspirar uma arte a serviço do povo! Arte que vibra. Transborda de alegria. Pintar nos murais, as cores intensas, vivas de liberdade para invadir as fachadas, ganhar as ruas em desenhos radiantes, explodir em criatividade espontânea e contar as narrativas do dia-a-dia...
Nas antigas lições do passado, agregar o valor das memórias, de fábulas de lutas e glórias. Fazer florescer, em meio às sombras, cidades dos sonhos. “Lugar onde se fazem os Deuses”...
Relembrar o resplandecer dos templos sagrados de Deuses agrários, das pirâmides do sol e da lua, dos palácios bordados com pedras de jade e turquesa, perdidos no crepúsculo do findar de mitos e crenças, do legado ceifado pelas mãos do invasor.
O ouro e prata, maculados, tesouros cobiçados por piratas cruzam o Caribe rumo a além-mar. E nas batalhas da ambição, regidas pela dor, sem honras nem glórias, o baú que encontram é o das almas no fundo do mar. A lâmina afiada da degradação é a catequese do medo, irmanada com as novas doenças e a fome que se aflige porém, com os sinos que dobram e anunciam o brado da luta.
O “grito” que ecoa evoca uma independência pálida, sem cor, sem “terra e liberdade”.
Que clama por seus heróis nacionais, “Caudillos” generais do povo, de lenços vermelhos, sangue guerreiro, dos camponeses, dos “Rancheros”. Líderes mestiços de “Sombrero”, Pancho Villa e Zapata, salve a revolução! Salve a mistura de ingredientes que temperam esta terra, de sol e tequila, de “señoritas” de olhos negros e cabelos sedosos, de “Mariachis” e índios, de corações nobres e sentimentais com uma pitada de saudade, do sorriso de Cantinflas. Vivo na alegria dos aromas e sabores, dos “Tacos, Tortillas e Chiles”. No clima dos costumes, dos dias de festas, em que a música e a dança, enchem de vida belos vestidos de renda que rodopiam num bailado multicor de tradição nativa. Fantasiada de esqueleto, bem-humorado, que celebra o dia de finados.
Um paraíso natural que não rima com tristeza. Pátria maior, orgulhosa da capital, a Cidade Monstro, da Babilônia da Fronteira, do “Pote de Ouro”, da “Capital da Prata”, da “Cidade dos Anjos”, de cenários mágicos de se perder o fôlego, de lembranças doces, com o gosto da vitória, sob o aceno dos “sombreros” a conquista verde e amarela. Numa terra gloriosa, dona de uma história esculpida em pedra, contada na arte das paredes que falam, real, pelo suor de filhos fortes que teimam em renascer.
Para rogar à Virgem padroeira, sua benção. A Viradouro então abre o coração, com seus sentidos aflorados, se une ao México pleno de amor e coragem, para seguir o caminho da felicidade, coberto por rosas, sem espinhos, iluminado pelo eterno Signo do Sol e pela fé em Guadalupe. É Carnaval, é Alegria, é México!

Edson Pereira e Junior Schall – Carnavalescos


SALGUEIRO

“Histórias sem Fim”

Um dia, Johannes Gutemberg sonhou que queria ser livre, que queria ser livro. Queria ser palavra escrita, mudar o rumo da História. Ser história. Inquieto e curioso, começou a transformar seu sonho em realidade na Alemanha do século XV, quando pressionou o último bloco de chumbo sobre o papel e colocou o ponto final em sua obra-prima: a Bíblia impressa.
– Deem-me 26 cavalinhos de chumbo e eu conquistarei o mundo!
Conquista pelas palavras e pelos livros, agora impressos a partir de seus inventos e criações. Ficavam para trás rudimentares papiros, tipos chineses, pergaminhos, códices e os inacessíveis manuscritos copiados à mão por monges medievais. Os tipos móveis sujos de tinta, que um dia fizeram parte de seus sonhos, imprimem páginas de um novo e importante capítulo. A primeira impressão, que ficou para a eternidade.
Estava aberto o portal para a divulgação de ideias e ideais que passaram a ser difundidos mundo afora. Senha para o início da era dos grandes livros, das maravilhosas Histórias Sem Fim!
Mãos e máquinas à obra! As páginas impressas resgatam o passado glorioso de impérios erguidos sob o signo da compaixão e da fúria de heróis, mitos e deuses. Feitos épicos imortalizados em Epopeias que exaltam valores e virtudes de civilizações. As mesmas palavras edificadas às glórias humanas também descrevem o renascer de uma era, personificada na figura de um cavaleiro errante. Os moinhos de vento sopram os ares da esperança, guiando o homem a uma jornada espiritual rumo ao paraíso, por tortuosos caminhos... que conduzem o leitor às intrigas dos nobres encastelados e as revoluções da plebe nos poderosos reinos do velho mundo. Enredos de delírios de reis e rainhas, das tramas de um triângulo formado por donzelas, cavaleiros e cortesãs. É o tempo dos heróis de capa e espada, dos duelos em nome do coração da bela dama. Abrem-se as páginas de um romântico jogo de olhares na cena de um vilão cínico. Ligações perigosas descritas com minúcia em textos que revelam juras secretas, pactos, ódios, romances proibidos, suspiros, promessas de amor eterno... que vão influenciar a literatura de um novo mundo, traduzida na face da fidalga portuguesa enamorada pelo nativo. Está consumado o enlace que forja o capítulo romântico de um Brasil miscigenado. Palavras que navegam sobre um mar de imagens poéticas, descrevendo a dramática travessia nos porões dos tumbeiros. Na embarcação, negros e negras que aqui aportam para transformar e fortalecer as raízes de uma nação. A cada obra, a crônica de um país que abriga a saga dos heróis mestiços, do Rio de Janeiro de tantos tipos urbanos e suburbanos, dos homens e mulheres da Bahia de São Salvador, dos valentes desbravadores de um sertão fértil de sonhos... e devaneios literários evocados por palavras mágicas, adormecidas à sombra do livro da saudade: “Pirlimpimpim”, “Abre-te-Sésamo”, “Abracadabra!”. Num piscar de olhos, voamos ao tempo do “Era uma Vez... Uma outra vez!”. Adentramos o portal da fantasia. Aqui, a imaginação é a máquina veloz que nos leva a qualquer tempo, a qualquer lugar! Vamos botar o mundo de pernas pro ar em busca da trilha dos contos fantásticos e lá encontrar a cidade dos sonhos, o país das maravilhas, o universo das fábulas inesquecíveis. Veja: bonecos ganham vida... Ouça: a canção do herói favorito... Sinta: o pulsar da felicidade inocente nas histórias contadas pela avó... Quitutes de palavras que trazem cheiros e sabores da infância, escritas para sempre no coração. É a chave para despertar a criança que nunca deixou de existir em cada um de nós na grande aventura de brincar de viver em um instante: siga o conselho e tome fôlego antes de prosseguir. Pronto? Lá vamos nós. Aqui começa nossa viagem pelo mundo da aventura e do suspense, com personagens e ações se sucedendo num ritmo alucinante para desvendar o intrigante enigma, encontrar o caminho para outras dimensões onde habitam monstros, bruxos e seres sobrenaturais transportados de tempos e espaços imaginários, guiados por engenhosas palavras que nos fazem prender a respiração e, num só fôlego, acompanhar todo o mistério que envolve a trama do primeiro ao último instante, conduzidos por pistas falsas, ciladas, tramas cruzadas, perigos, vilões acuados, quebra-cabeças de peças incompletas, fragmentos que aguçam a curiosidade num ritmo cada vez mais frenético, até que surge... ufa!
A reviravolta. O desfecho. A revelação.
“Como é que não pensei nisso antes?” A verdade estava diante dos nossos olhos que avançam no tempo e leem um futuro escrito pelas tintas da incerteza. Ao perder o domínio sobre as máquinas que inventou, o homem vira refém da própria criação. São abertas as páginas das ficções revelando um planeta vigiado por olhos eletrônicos, a serviço do grande Deus-Máquina que zela por nós. Cérebros artificiais altamente avançados, capazes de viajar pelo universo e simular uma realidade tomada pelo caos num cenário futurista. Estaríamos diante do último capítulo dessa nova Odisseia? O futuro dirá... que é hora de abrir um novo capítulo, escrever sobre a página em branco a história que escolhermos. Recriar a própria biografia, desvendar no grande livro da vida o segredo da felicidade, do equilíbrio e da paz. Os ensinamentos da Filosofia que nos apontam os caminhos da sabedoria, das bem ou mal traçadas linhas escritas no livro místico do destino. Nascerá, enfim, a obra imortal onde haverá sempre um novo capítulo, uma nova edição. Um enredo infinito, recontado e ampliado cada vez que alguém folhear as páginas de tantas Histórias Sem...

Renato Lage – Carnavalesco


BEIJA-FLOR

“Brilhante ao sol do novo mundo, Brasília do sonho à realidade, a capital da esperança”

Tudo o que permeia a história de nossa jovem capital federal, nos remete ao sonho, ao místico, as coincidências e inspirações extraordinárias, e nela, abre-se um campo de suposições e até mesmo nos transporta ao imaginário.
Brasília é um invento que transborda as pranchetas de seu traçado arquitetônico pois apesar de planejada, temos às vezes a impressão de que em parte ela é fruto do inconsciente e que rouba pra si, todo um universo de sonhos, mitos, lendas e fatos que convergiam para a vasta região do Planalto Central brasileiro, para compor sua pré-história. Brasília nos desafia e nos encanta à medida que nos afastamos de sua imagem de centro nervoso de nossa política governamental. Ela é sim, uma obra do homem, porém, ela é certamente o resultado de inspirações, uma obra de arte, desenhada em um quadrilátero, compondo a paisagem harmoniosamente no encontro de céu e terra, como se ela já existisse invisivelmente antes da sua construção. É a multiface do Brasil e do mundo, o que lhe dá a mestiçagem da aparência de seu urbanismo e arquitetura, bem como os contornos físicos e culturais do seu povo.
Brasília nos faz viajar constantemente, do imaginário extraterrestre à mitologia indígena; um pouco Maia, Asteca, Inca, Egípcia ou mesmo o que imaginamos ser divino celestial. Grandes nomes de nossa história, direta ou indiretamente, se conectam a ela. A idéia de se plantar a capital do Brasil no centro de seu território, nasce nos primórdios da colonização e desbravamento de nossa terra.
De Marquês de Pombal a JK, passa por Tiradentes e os ideais da inconfidência, pela declaração de nossa independência e o batismo de seu nome, por José Bonifácio até os primeiros anos da então Jovem República Brasileira. Descreve uma trajetória de pioneirismo com a marcha para o oeste através da expedição de Louis Cruls, desencadeando mais tarde um grande êxodo de brasileiros desterrados, para a sua construção.
No ano em que se comemora os seus 50 anos de vida, a capital de todos os brasileiros e patrimônio da humanidade, merece de todos nós, uma homenagem e a Beija-Flor de Nilópolis tem o orgulho de fazê-la. Por sua complexidade e importância para o Brasil e o mundo, por sua peculiar história, de imaginações, de visões e visionários, de desbravamento e pioneirismo, de coragem e triunfo da vontade política de um brasileiro e por ser ela, um monumento ao arrojo de nossa engenharia e arquitetura, Brasília, do Sonho à Realidade, empresta sua beleza para enfeitar o samba.
Reluz meu samba como cristal brilhante, a refletir neste instante, mais um sonho encantado, a emanar sua energia, como alvorada que anuncia o dia, resplandecendo o Planalto Central. Vai Beija-Flor aventureiro, abre as asas, abraça o cerrado brasileiro, traz Brasília em seu carnaval...
Faz a anunciação da terra prometida, entressonhada e celestial, da divina visão de Dom Bosco, em sua viagem no espaço do tempo, nos paralelos do futuro virtual. E torna o mito “Goyaz”, uma verdade, uma história de amor pra eternidade, de Paranoá, guerreiro, um lago de lágrimas, de Jaci, um luar de paixão, a espreitar, num olhar azulado, a bela índia alada, que jaz, por Tupã enfeitiçada, deitada pra sempre em seu chão. Emerge do passado a sua herança, do coração do Egito, coincidência, inspiração... Aketaton, gêmea ancestral do deserto, que se esplanou em largos espaços abertos, em templos, “estelas”, em reverência ao sol, abrindo-se, feito asas, norte e sul, qual vôo de íbis, ave sagrada, em seu vôo na imensidão. Que se abram suas páginas de história, de desbravamento e bravura, de onde em busca de riquezas se ergueram bandeiras, que rasgaram o seu coração, que ainda criança, pulsava invisível e sereno, entre as matas desse sertão.
Mostre que sempre foste um sentimento, sonho e predestinação, por ser de fato o centro, deste imenso florão e que da colônia ao império, adormeceste em ideais, como um ponto de vista de quem enxergou à frente, além da própria visão pois viste correr o tempo, entre tormentas, revoltas e insurreições e que da tempestade, sentiste os novos ventos, que ainda que tarde sopraram a liberdade e que após “o brado forte e retumbante”, o patriarca te batiza, de Brasília, afinal. Que da inquietude da República foste sempre um desejo, a ânsia de realizar, e foi assim disposta na carta magna, como um vislumbre, um definitivo olhar. Viste então a missão científica, em grande marcha para o Oeste desbravar, e a medida que ela avança, abrindo a terra agreste e mansa, veio então te visitar.
Traçaram em seu planalto, um quadrilátero, entre as tortas árvores do cerrado, fauna e flora a se revelar e das entranhas do seu solo rubro, rochas cristalinas que apontam e despontam ao sol a brilhar, de suas veredas, um seio que esbanja ricos mananciais, desnuda o seu berço esplêndido e líquido, sul e norte a desaguar.
Por fim um marco te fecunda a terra, como sêmem de pedra, que do alto da serra vigia teu sono derradeiro e sob o imenso céu a contemplar o cruzeiro faz seu ventre guardar ternamente, o alvorecer do novo tempo brasileiro. Mas eis que do horizonte faz luzir a modernidade como um raio intenso e verdadeiro e de Minas sopra “Venturis”, varrendo os anos dourados, de esperança e prosperidade, e JK segue adiante, acordando enfim, o gigante, com seu ímpeto aventureiro.
E um país se redescobre ao mirar-se no espelho do futuro, é o querer, a coragem, o poder e fazer... E uma caravana parte, épica, qual êxodo caboclo, epopéia de pioneiros, desterrados candangos, operários guerreiros, vários Brasis, num só Brasil que se juntam a construir e a crescer...
De uma cruz esboçada em papel, ergue-se em aço uma cidade, elevando-se ao céu em silhueta de arrojo, um prodígio em traços simétricos, de volume e equilíbrio, abstrata e concreta, o contraste. Brasília nasce, num parto de vitória sobre as mentes conformistas e se faz triunfo de Juscelino, de Lúcio e Oscar, viva e ávida, pássaro dos sonhos, o próprio sonho querendo voar. E se mostra assim, branca de luz de sol de abril, de tantas mentes, de tantos braços, tanto suor, tantas lágrimas, de tantos, de todos nós, do Brasil!
Hoje, do Sonho à realidade, ela brilha! E a cada alvorada, se reinventa e re-existe, virtual e jovem, eclética e mística, cidade criança e da esperança, a “esquina do Brasil”, Babel de sotaques, mistura, um caldeirão cultural, alfabética e numérica, superlativa, absoluta, sintética, artística, letra e música, Bossa, nova, nossa, capital... Somos todos partes desse corpo, da nave-mãe de asas abertas em seu imenso abraço norte e sul, como ave que hoje voa em nosso mundo encantado, a terra do carnaval.
Somos todos “candangos” a construir um sonho, somos “calangos” irmãos sob o mesmo céu estrelado, somos você, Brasília, nas asas de um Beija-Flor que vem te beijar agora, como se fosse flor, A flor do cerrado!

Comissão de Carnaval: Alexandre Louzada, Fran Sérgio, Laíla e Ubiratan Silva


MOCIDADE

“Do paraíso de Deus ao paraíso da loucura, cada um sabe o que procura”

O Paraíso é a imagem primeira. Uma imagem da fartura e da felicidade; um sagrado jardim onde Deus semeou a fecundidade numa divina evocação da vida; um abençoado recanto sem doenças, sem inverno e sem envelhecimento, transmitindo uma mensagem simbólica e alegórica de paz e harmonia. A nostalgia deste estado de graça, arrancado em conseqüência de uma grave desobediência às leis do Criador, faz despertar no homem, desde tempos imemoriais, o desejo de encontrar o Paraíso perdido.
Na Idade Média, alimentada por uma cruel realidade de fomes, epidemias e guerras devastadoras, essa nostalgia fez do Paraíso a própria antítese daquela realidade decadente e sombria; um “novo” começo onde a pobreza e a fome acabariam diante de uma terra “sem males”. Enquanto profetas e visionários desejavam “ver” o paraíso, cavaleiros e aventureiros se juntavam em fantásticas caravanas e partiam por terra em busca da “Fonte da Juventude Eterna e da Árvore da Vida”. Porém, novos ventos sopravam em direção ao “Velho Continente”. O pavor que o “inferno” e a crença na proximidade do “Fim dos tempos” provocavam ia ficando para trás diante de uma Europa entusiasmada com os renovados horizontes renascentistas. Os oceanos já não causavam tanto temor e, navegando rumo ao Oriente, poder-se-ia chegar às Índias, com seus mistérios e magia. Ainda, quem sabe, desembarcar nas fabulosas terras de Ofir, guardiãs das Minas do Rei Salomão, ou até mesmo encontrar o suntuoso Reino Africano de Preste João e, assim, localizar os “Portais do Paraíso”. Foi navegando em direção às Índias que, em 1500, treze naus portuguesas “esbarraram” no Brasil.
Nas areias da praia, o nativo dançava em alegre ritual. Guiados pelos Xamãs, os donos da terra migraram do interior para o litoral em busca de “Yvy Mara Ey”, a “Terra dos Sem Males”, o paraíso Tupi-guarani, e que, na visão dos pajés, estaria do outro lado da imensidão das águas. Em sua pureza e ingenuidade, o índio viu naquela gente que saía do mar verdadeiros Deuses que, finalmente, o conduziriam aos “Jardins Purificados”.
Já os navegadores, deslumbrados com a nudez e a aparente inocência dos nativos, viram neles a própria imagem do homem antes de ser expulso do Paraíso, materializando na América a visão renascentista do Éden terrestre. Afinal, as sugestões edênicas estavam por toda parte e faziam uma mágica ligação entre o “Velho” e o “Novo” Mundo. Dessa maneira, o maracujá se transforma em pomo edênico, assim como as bananas cortadas exibiam aquele sinal à maneira de crucifixo por elas manifesto.
A Fênix é o Guainumbi ou Guaraciaba; outros acreditavam mesmo tê-la visto na figura do beija-flor, enquanto os papagaios, para muitos, eram, na verdade, anjos castigados que ganharam a forma de pássaros. Mas os boatos sobre cidades bordadas de ouro e pedras preciosas, as notícias de montanhas resplandecentes e lagoas douradas, comuns entre os indígenas, rapidamente levaram o invasor europeu a embrenhar-se pelos sertões desconhecidos, maculando o “Paraíso Brasil”. E, assim, os índios dançaram e o Brasil sambou!
O que de bom encontrava-se aqui foi parar na Europa. Animais, plantas e até mesmo “exemplares” do nosso “bom selvagem” foram “exportados”, causando enorme rebuliço do outro lado do Atlântico. Enquanto, do lado de cá, o povo sofria com a “Derrama” – um verdadeiro “Quinto” dos infernos – no lado de lá, as farras das Cortes de Portugal e Inglaterra eram bancadas com o ouro do Brasil. O jeito era rezar uma novena para o “santo do pau oco”!
O tempo passou, mas continuamos cortando o pau, matando os bichos, vendendo as plantas, envenenando as águas, queimando os índios e mandando pra longe nossas riquezas! Calculistas e mercenários, criamos o nosso próprio Paraíso terrestre e batizamos com o nome de “Paraíso Fiscal”. Ali, abençoados pela generosidade financeira, protegemos nossas “verdinhas” em “espécie”. Mas não se enganem pensando que se trata da flora tropical bem preservada. Neste caso, nos referimos às cédulas de dólar depositadas em contas pra lá de suspeitas. Já os exemplares da nossa fauna contrabandeada desde sempre, agora, são enviados do “Paraíso Brasil” diretamente ao “Paraíso Fiscal”, sem taxação, estampadas nas notas do nosso Real.
No fundo, queremos mesmo é preservar as “araras” que valem “dez reais”. Defendemos, bravamente, os “micos-leões-dourados” que estão cotados a “vinte”. Brigamos como loucos pelas “onças pintadas”, ou seria por “cinquenta reais”? Tira a mão que ninguém vai “pescar” minha “garoupa” de cem reais, não! Ora, quem sabe se numa sombrinha agradável lá nas Ilhas Caymãs elas não se reproduzam rapidamente?
Diante desse “Capitalismo selvagem”, até mesmo um “pedacinho do Paraíso” é possível se comprar. Um carrão novinho também dá direito a chegar lá. E o que falar da ida ao shopping com dinheiro pra gastar? E se faltar din din, há cartões de crédito, cheque especial e crediário, todas as facilidades do mundo no “Paraíso do Consumo”!
Mas nós somos a Mocidade e, independentes, podemos ir a qualquer lugar. Vamos fazer a nossa parte! Querer é poder, e o amor constrói. É possível descobrir o nosso próprio paraíso, afinal, ele está perto de nós, dentro de nós mesmos, em nosso interior. Vamos jogar fora as amarguras do dia-a-dia e nos vestir com a fantasia que sempre sonhamos: milionário ou plebeu, rainha ou camelô, desempregado ou doutor, um nobre ou apenas um sonhador. Afinal, hoje é carnaval, e se você sabe o que procura, tudo é possível no “Paraíso da Loucura”! Está esperando o que pra ser feliz?

Cid Carvalho – Carnavalesco


PORTO DA PEDRA

“Com que roupa... Eu vou? Pro Samba que você me convidou”

Moda e arte sempre caminharam juntas, mesmo que inconscientemente. A cada mudança de pensamento, de comportamento e de linguagem artística, o homem acompanhava com a sua maneira de vestir esta evolução.
É possível contar a história da humanidade de diversas maneiras, mas sempre que nosso interesse for a arte, veremos a moda, ao seu lado, se apropriando destas características artísticas para si, e então, poderemos compreender, através da maneira do homem se vestir, como ele se comportou social, política e economicamente, pois a maneira de pensar vai influir diretamente nas suas escolhas estéticas.
A Moda é uma arte que não veste telas nem muros, ela se expressa no movimento dos corpos, de acordo com a ideologia, o desejo de cada um. Como os belos quadros, ela representa a voz do seu criador.

“A moda é passageira, sua história, não”. (Marco Sabino)

Antes da Moda

O homem nasceu nu. Não se sabe ao certo a partir de quando ele começou a se vestir, aliás, a se cobrir com a pele dos animais. Terá sido por proteção? Por misticismo? Isto nunca saberemos, mas, a partir dali, estava plantada a semente da vaidade no ser humano e a sua vestimenta vai passar, durante muitos séculos, a determinar a sua condição social. E a arte já estava presente ali, pois o homem passa a se expressar através de pinturas e desenhos nas cavernas. O conceito ainda não estava formado, mas era um embrião.
Quando falamos em moda na pré-história a primeira imagem que nos vem à mente são os Flintstones, que nos leva a fantasiar que naquela época tudo era “fashion”, divertido. Mas das peles costuradas com tripas de animais por agulhas de marfim até a invenção do tear, vão-se muitos milhares de anos.
Na Antiguidade, tivemos o surgimento de grandes civilizações, que se caracterizavam principalmente pela religiosidade. A distinção social vai ficar muito acentuada neste período, pois quanto mais tecido, maior o poder. Neste período os ornamentos e as jóias vão começar a ganhar destaque. Nem sempre os homens usavam calças e as mulheres saias, isso é coisa moderna. Algumas vezes já foi o contrário, pois de um quadrado de pano, eram feitos saias, saiotes, túnicas que eram amarradas, costuradas ou drapeadas, que em alguns momentos nos remetem à arquitetura lembrando as colunas dos templos.
E a roupa escurece, ganha tons sóbrios, a arte também. A religiosidade aflora. A arte era inspirada pela fé e a roupa segue o mesmo caminho. A silhueta não era o mais importante, e sim a quantidade de tecido que a cobria.
A intenção era tocar a Deus, chegar mais perto do céu, e assim a silhueta foi se alongando, lembrando as torres das catedrais. Os vitrais góticos vão influenciar em cores a indumentária, mas sempre com ares sombrios. Este período marca uma descoberta que vai acompanhar o homem até nossos dias e vai exercer um papel fundamental na sua vaidade: o espelho. Narciso mandou lembranças!

No renascer do homem, nasce a moda

Renasce o homem, surge a burguesia, o brocado, o veludo, e com eles o alfaiate. Os tempos eram outros, e a roupa mudou. A busca do ideal de perfeição, representada nas artes, também se faz presente nas roupas. O homem voltou a olhar para si.
O mundo começou a se movimentar, e o homem vai começar a movimentar também a sua maneira de vestir, e essas mudanças se tornarão cada vez mais freqüentes.
A ciência e a razão são mais fortes que a emoção, e com isso surgem as golas, que vão se tornar cada vez maiores, para valorizar a mente, em sobreposição ao corpo, e aos mais pobres também. Em contraposição a este ideal, vemos surgir mais tarde, um novo movimento que mostra certa tendência ao bizarro, ao assimétrico, ao extravagante, ao apelo emocional. O Rei francês Luiz XIV vai marcar este período como o grande responsável pelas extravagâncias da época, que serão assimiladas por toda a Europa.
As roupas masculinas se sobrepõem às femininas, ganhando ares de fantasia, com as silhuetas mais amplas. Perucas, rendas, fitas, salto alto, plumas... E as mulheres ficam para trás. E as artes seguem este mesmo caminho barroco, caracterizado pela monumentalidade das dimensões, opulência das formas e excesso de ornamentação.
O homem, aos poucos, vai se tornando mais romântico, sem deixar de lado os exageros. Tudo é mais leve, foi um período de liberdade de movimentos, da sensibilidade e do espírito. As pessoas pareciam bonecos de porcelana, com perucas e cabelos empoados, lembrando verdadeiros bibelôs.
Os homens vão ficando mais esbeltos no vestir deixando de lado a exuberância e entregaram-na as mulheres, que trouxeram para si o direito as transformações, com anáguas imensas e cinturas finíssimas. O homem do rococó é um cortesão, amante da boa vida e da natureza.
Com o período neoclássico, vão surgir os primeiros figurinos de moda, e a influência grega vai determinar não somente a arte como a moda. A silhueta se afina e se alonga, desaparecem as caudas, lembrando novamente colunas, e o homem se simplifica cada vez mais.

Um novo tempo

Vira o século, novos rumos, novos ares, novas artes. Uma arte nova vai dar à moda uma nova linguagem. A mulher fica mais sinuosa, as linhas são mais leves, chapéus, laços e flores. O mundo fica mais rápido e isto vai influenciar o vestir. As mudanças são mais rápidas, assim como os movimentos dos artistas. Começam a surgir os primeiros estilistas e a cada dia surgem mais e melhores. O mundo avança, novos movimentos vêm em contraponto a esta nova arte, mais moderna, mais geométrica.
A moda já tomou conta do mundo, ele se torna cada vez menor e mais rápido. E ela vai se tornando cada vez mais efêmera. A cada dia, novos traços, novos modelos, novas coleções e o homem quer sempre mais, pois moda é tudo, menos tédio.
O que ficará de herança para a história neste século? É difícil saber, mas temos certeza que alguns momentos se eternizarão: a invenção da mini-saia, do jeans e da camiseta. Isto ficará para a história, juntamente com um personagem desse tempo que jamais será esquecido: Mademoiselle Coco Chanel. Ela deixou de criar moda para criar estilo.

Antropofagia

E o Brasil? Como num movimento antropofágico, nós absorvemos todas essas influências e hoje fazemos uma moda com a cara do Brasil, atraindo os olhares do mundo para a nossa arte. Arte sim, pois fazer moda é fazer arte, é contar História, observando e utilizando as formas que também estão na arquitetura, na escultura, na pintura, na musica, na literatura e, sobretudo, no véu cultural que já cobriu ou irá cobrir nossa sociedade.

“Moda é oferta. Estilo é escolha. Faça as suas”. (Glória Kalil)

Desde muito tempo, quando o homem cobriu seu corpo pela primeira vez, seja por necessidade de proteção, magia ou poder, ele descobriu um sentimento que, a partir de então, iria definir toda a sua conduta: a vaidade.
E é este sentimento que estará presente em todo o processo histórico da evolução da humanidade. Seja na pré-história, no surgimento das grandes civilizações, nas idades das trevas e da luz, no período moderno ou contemporâneo, veremos o homem sempre em busca do “belo”, espelho fiel das mudanças sociais e culturais, e da multiplicidade de formas nas quais se exprime a criatividade humana.

Paulo Menezes – Carnavalesco


PORTELA

“Derrubando Fronteiras, Conquistando liberdade... Rio de Paz em Estado de Graça!”

Um novo mundo é possível em função do rápido avanço da ciência e das tecnologias de informação. Dar-se-á o “login” ao nosso Rio de Janeiro como Portal Digital do Brasil… Centro de referência tecnológica, “host” que proporcionará, assim, a utilização da “Internet” como ferramenta de melhoria em nossa qualidade de vida… Os benefícios são muitos, em várias áreas de atuação, que contribuirão para chegarmos ao tão sonhado estado de graça, tais como: inclusão social, democracia, cultura, arte, sustentabilidade, educação, saúde, desenvolvimento humano e paz... Portanto, o objetivo desse enredo é estimular a reflexão sobre os múltiplos usos dessa nova ferramenta de conexão interpessoal, que está transformando nossas vidas por completo e propiciando a redução das desigualdades históricas em nossa sociedade… Banda larga, intervenção cirúrgica por robótica, educação à distância, videoconferência, “games” e “download” de áudios e de vídeos são apenas alguns dos vários recursos disponibilizados com a chegada dessas novas tecnologias. Diferentes serviços estão disponíveis e outros tantos estão a caminho. A previsão do futuro é “update”! Digite sua “password”, pois o acesso é personalizado e único, e encontre-se com a magia do samba que irá te transportar ao infinito e fazer navegar pelo browser universal “por um mundo desconhecido”… Assim, o GRES Portela escolheu para 2010 o tema da Inclusão Social por meio dos acessos às novas tecnologias de informação. Acreditamos que, através da inclusão social, os poderosos podem se redimir das iniqüidades que sempre cometeram contra os menos favorecidos, voltando-lhes as costas e mantendo-os afastados do acesso ao conhecimento, fator principal da criação de oportunidades para o progresso humano. Ao adotá-lo, assim, se identifica com nosso festejado e imortal compositor Candeia, em sua obra-prima “Dia de Graça”, na qual vislumbrava uma sociedade em que os excluídos conseguiriam ascender socialmente....

Alex de Oliveira e Amauri Santos – Carnavalescos


GRANDE RIO

“Das Arquibancadas ao Camarote Nº1. Um “Grande Rio” de Emoção na Apoteose do Seu Coração”

Carnaval

Pioneiro deste palco iluminado, sou brasileiro, sou carioca, apaixonado! Da Cidade Maravilhosa que canta, samba e é feliz, da festa de maior grandeza e criatividade ta aí o nosso carnaval. Melhor e maior do mundo. Uma realidade... Faço girar meu pensamento que na chegada do momento da criação surja o real vindo da inspiração em sua arte de criar neurônios em movimento, projetos em andamento. Sou sambista nº1, e por sê-lo, assisto tudo de Camarote.
Sou vida e emoção, sou passado e recordação, do berço do samba à avenida, do sonho à construção do concreto frio, nasce a apoteose da emoção. Sorriso estampado no rosto do folião Ambicioso e determinado, faço aflorar nos corações a magia que existe nas mãos dos artistas. Desenhos que pousam no papel. Pinturas que brotam da ilusão. Adoráveis loucuras da imaginação que surgem das mentes na criação. Magos de empreitadas que transformam lixo em luxo. Rico em pobre, rei em mendigo. Sou o centro da atenção. Sou João, do povo, do novo que mesmo proibido, não deixou de brilhar. Sou o tempo, o movimento, o momento determinado e pouco convencional. Sou líder no passado e no presente. Tenho a marca da honestidade. Máquinas a costurar, tecidos a bailar. Do prego, do ferro do isopor vou esculpindo a minha história de amor. Protagonista anônimo do carnaval que transforma o sonho num momento real, na mágica fábrica de sonhos, numa cidade que não para de sambar, no soar da sirene, o coração bate na boca, na pista disputa de bandeiras, o rufar das baterias, cenários sobre rodas, estilos eternizados, modernidade e futuro.
O júri escolhe, o povo aplaude, momentos inesquecíveis, únicos de emoção fazendo o homem voar, surpreendendo o folião. Do fogo a consagração do mito, a superação, explode setor 1, é a campeã do povão! Hinos consagrados, vozes dessa história, do morro sim senhor!
Tenho a marca da raiz, cor e sabor. Não sou puxador! Simplesmente um cantor. Sou mangueira que dá Jamelão. Sou raça, garra, determinação. Sou a música divinal, aquarela magistral. Da magia que envolve a alma. Sou mais que um país, sou um planeta de nome, carnaval! Sou fé, folclore e miscigenação. Sou o futuro, o amanhã. Sou a estrela do espetáculo, viajo rumo ao desconhecido. Sou do povo, dessa gente de real valor. Vou varrendo a tristeza para longe de nós. Com “sorriso” estampado no rosto sou torcedor. Grito, canto, choro quando a minha história por aqui passar nesse “Grande Rio” de emoção que deságua na apoteose delirante do seu coração
Com todo carinho e respeito aos grandes homens, mulheres, Escolas de Samba e à força de suas comunidades, que muito contribuíram para o sucesso do Carnaval Carioca, parabéns!
A homenagem da Acadêmicos do Grande Rio à todos vocês sambistas brasileiros.

Cahê Rodrigues – Carnavalesco


VILA ISABEL

“Noël: A Presença do Poeta da Vila”

1910. Ano marcado por grandes transformações, prenunciadas com a passagem do Cometa de Halley. Entre outros fatos: a Revolta da Chibata, liderada pelo “Almirante Negro”, João Cândido, cujo motim ameaçou bombardear o Rio de Janeiro, e o nascimento de Noël de Medeiros Rosa, popularmente conhecido como Noël Rosa, em 11 de dezembro. A partir deste dia, a música popular brasileira nunca mais seria a mesma.
O pai era um amante da cultura francesa. Pela proximidade com o período das festas natalinas deu ao filho o nome de Noël, termo que equivale a Natal entre os franceses. Também era tradição no bairro de Vila Isabel, no período natalino, passar o rancho, quando todos iam ouvir o canto das “Pastorinhas”.
Desde sua infância, Noël se revelava irreverente. Ele era da rua. Na escola, gostava das piadas proibidas e das brincadeiras obscenas. Começou estudando numa escola pública, e, depois se transferiu para o tradicional São Bento, onde imperavam os rigores educacionais.
A rua e os seus tipos eram a sua grande paixão. “Poeta-cronista” da cidade; cidade que cabia em Vila Isabel. Bairro síntese dos personagens cariocas: os pequenos burgueses, o bicheiro, os malandros, o seresteiro, o sinuqueiro, o carteador, o mendigo, o vigarista, o proxeneta, o valentão, entre tantos outros.
Noël preferia a luz das estrelas à luz solar. Ele acompanhava os cantores da madrugada com o seu inseparável violão. Ficou conhecido pelo bairro. No ano de 1929, um grupo formado por jovens de classe média do conjunto musical Flor do Tempo o convidou para formar um novo grupo: o Bando dos Tangarás, grupo composto por Almirante, Braguinha, Henrique Brito e Alvinho. O conjunto se dedicou à moda da época: a música nordestina; emboladas; sambas com tempero do nordeste; embora, seus trajes e sotaques mais pareciam de caipiras. A indústria e o comércio fonográfico cresciam bastante no Rio de Janeiro, quando foram convidados para gravar pela Parlophon, subsidiária da Odeon.
A inserção no Bando dos Tangarás abriu o caminho para Noël iniciar sua carreira como compositor popular. Ainda em 1929, ele escreveu a sua primeira composição, uma embolada, intitulada “Minha Viola”.
Noël Rosa tinha grande admiração por Sinhô, freqüentador assíduo da Casa da Tia Ciata, localizada na Praça Onze, onde os batuques do samba, influenciado pelo maxixe, ecoavam livremente. O “Poeta da Vila”, contudo, se integrou a outro tipo de samba, que veio do bairro do Estácio, onde vivia Ismael Silva, e se espalhou pelos morros da cidade como Salgueiro, Mangueira, Favela, Saúde, Macacos. Noël subiu o morro e se integrou aos sambistas que lá viviam e compôs com alguns deles, como Cartola, do morro da Mangueira, e Canuto e Antenor Gargalhada, do Salgueiro. O “poeta” e Francisco Alves (que juntos fizeram parceria no grupo Ases do Samba) foram os maiores responsáveis pela consagração de diversos compositores negros de samba.
Este tipo de samba que veio do Estácio, mais marcheado e acompanhado por instrumentos de percussão, era aquele tocado nos blocos, como o “Deixa Falar”, que deu origem à primeira “Escola de Samba”. No carnaval de Vila Isabel havia dois blocos: o Cara de Vaca, organizado, com componentes selecionados e cercados por um cordão de isolamento, e o Faz Vergonha, composto por populares e com sambas improvisados, do qual fazia parte Noël Rosa. As batalhas de confete no Boulevard eram o ponto alto do desfile de blocos.
Desde a adolescência, Noël adorava as serenatas e serestas. O local favorito das noitadas era o cruzamento do Ponto dos Cem Réis, em Vila Isabel, onde os bondes “mudavam de seção”, ponto de botequins e esquinas. Era ali que se reunia com os amigos e tomava a sua cerveja preferida, a Cascatinha. No Café Vila Isabel, ele compôs a maior parte das suas composições. De bar em bar, em “Conversa de Botequim”, e de amores em amores, como o que sentia por Fina, para quem fez “Os Três Apitos”, teceu suas canções. Freqüentava também os prostíbulos do Mangue, e era fascinado pelos malandros, homens que exploravam as mulheres, minas ou mariposas, e viviam da jogatina. Na Lapa chegou a conhecer o famoso Madame Satã, como também Ceci, a sua “Dama do Cabaré”.
O ano de 1930 mudou a história do Brasil e a vida de Noël Rosa. Na política nacional, Getúlio Vargas assumiu a presidência do país por meio da chamada Revolução de 30. Nosso “Poeta” gravou o seu primeiro samba de sucesso: “Com que Roupa?”, que fazia alusão, de forma humorada, a um Brasil de tanga, ilhado em pobreza, a fome e a miséria alastrando-se como praga, conseqüência imediata da crise da bolsa de Nova York que abalou o mundo inteiro. O samba conquistou a cidade. A composição de sucesso passou a integrar o programa de diversas peças do teatro de Revista, todas encenadas nos palcos da Praça Tiradentes, que vivia dias de fulgor e esplendor. No mesmo ano, conseguiu ser aprovado no vestibular para a Faculdade de Medicina. Contudo, ficou insatisfeito com o curso e abandonou-o. Ainda assim compôs “Coração”, conhecido como “um samba anatômico”. O “novo regime” de Vargas e suas medidas governamentais também não passariam desapercebidas pelo compositor, ganhando tons de crítica bem humoradas nas letras de alguns de seus sambas como “O Pulo da Hora” ou “Que Horas São?” sobre a criação do horário de verão; “Psilone” composto em função da nova reforma ortográfica; “Samba da Boa Vontade”, sobre o pedido de Vargas aos brasileiros para manter o sorriso, mesmo num momento de crise; e, ainda “Tenentes...do Diabo”, samba jocoso quanto aos tenentes getulistas, rivais dos “Democratas”.
No começo de 1934 teve início a famosa polêmica envolvendo os compositores Noël Rosa e Wilson Batista. Este último compôs “Lenço no Pescoço”. Noël rebateu com “Rapaz Folgado”. Em resposta, Wilson compôs “Mocinho da Vila”. Ainda no mesmo ano, no período da primavera, Noël compôs “Feitiço da Vila”, uma homenagem para a rainha primaveril de Vila Isabel, Lela Casatle, samba que colocou Noël em evidência, uma vez que o Brasil inteiro cantou a composição. A polêmica deu uma trégua e reacendeu no ano seguinte. O sucesso do “Filósofo do Samba” incomodou Wilson Batista, que gravou “Conversa Fiada”. Noel reagiu com “Palpite Infeliz”. Wilson respondeu com dois novos sambas: “Frankstein da Vila” e “Terra de Cego”.
Os anos trinta foram a chamada Era do Rádio, consagrada com a criação da Rádio Nacional. Em pouco tempo, o país inteiro ouviria suas rádio-novelas, seus programas de auditório e veria surgir muitas estrelas da nossa música, as chamadas cantoras do rádio. Aracy de Almeida e Marília Baptista foram as maiores intérpretes das canções de Noël. Este também atuou no rádio. No Programa do Casé, de Adhemar Casé, na Rádio Philips, Noël cantava e trabalhava como contra-regra. E, em 1935, Almirante conseguiu-lhe um emprego na Rádio Clube do Brasil, trabalhando como libretista no programa “Como se as óperas célebres do mundo houvessem nascido aqui no Rio”. Escreveu o libreto da ópera “O Barbeiro de Niterói”, uma paródia ao “Barbeiro de Sevilha”. Fez também as revistas radiofônicas “Ladrão de Galinhas” e a “Noiva do Condutor”. As composições de Noël também foram utilizadas no cinema. EmAlô, Alô, Carnaval (1936), compôs “Pierrot Apaixonado”, em parceria com Heitor dos Prazeres. Para o filme Cidade Mulher (1936), ele compôs seis músicas, dentre as quais “Tarzan, Filho do Alfaiate”, em parceria com Vadico.
No ano de 1937, os céus do Brasil foram atravessados pelo cometa de Hermes. Os cometas inspiraram durante milénios profundos temores na humanidade, que os considerava sinais divinos de maus presságios. O medo persistia. Foi assim com o cometa de Halley naquele ano de 1910 e voltou a ser vinte sete anos depois. E, de fato, realmente foi. Na noite do dia 04 de maio, no mesmo chalé onde nasceu na rua Theodoro da Silva, em Vila Isabel, faleceu Noël Rosa, acometido pelo “mal do século”.
Da mesma forma que nasceu num ano turbulento, Noël disse “Adeus” num ano de grandes transformações, cumprindo assim um ciclo de mudanças. Ele mudou a história da música popular brasileira. As serestas e serenatas aqui na Terra não seriam mais as mesmas sem a sua presença. Uma outra “Festa no Céu” faria ele entre anjos e arcanjos. Para sua felicidade, não viu a instalação do Estado Novo, com seu caráter repressivo e censurador, nem mesmo a chegada do “Tio Sam”. Não viu também a vida boêmia da Lapa ser susbtituída pelas boates chiques de Copacabana, onde Aracy de Almeida o imortalizou. Também não teve o prazer de ver a fundação do GRES Unidos de Vila Isabel, Agremiação carnavalesca do bairro que tanto cantou. No firmamento do samba, assim como a estrela Dalva, a estrela de Noël, finalmente, no céu despontou e jamais se apagou. Foi o seu “Último Desejo”. Por isso, cantamos: “Quem nasce lá na Vila, nem sequer vacila, ao abraçar o samba”. Saudades de ti, Noël!!!

Alex de Souza – Carnavalesco


MANGUEIRA

“Mangueira é música do Brasil”

A música brasileira é nosso reflexo no espelho, nossa identidade, nossa cara! Rica, genuína, forte e feliz nos projeta no mundo de forma afirmativa já que a combinação original entre melodia e ritmo é a nossa marca. Motivo de orgulho para todos nós.
A Estação Primeira de Mangueira mergulha de cabeça nesse caldeirão cultural, pois, por tradição, a música brasileira sempre esteve presente em nossos carnavais. Daqui ela se irradia por intermédio de nossos compositores consagrados, luz para muitas canções que se aninharam nos corações de muitos, o que faz da Mangueira, também, referência da música que se faz no Brasil.
A Mangueira sempre soube acolher as mais diversas manifestações da música brasileira. Por aqui transitaram e ainda transitam artistas das mais diferentes vertentes e diferentes tribos. E a recíproca é verdadeira porque muitos deles também souberam enaltecê-la em canções de exaltação engrandecendo ainda mais a nossa história. Nessa troca musical, outros foram pela Mangueira homenageados com sambas-enredos, imortalizados em desfiles inesquecíveis, como: Braguinha, Dorival Caymmi e Chico Buarque. A Mangueira é sim, Música do Brasil!
Nossa pauta musical será composta por diversos gêneros musicais que expressam nossa vocação pela mistura, pela criatividade e pela renovação, tornando sempre vivas as vozes que se multiplicam por todos os cantos do país.
A Música Brasileira hoje está em todas as emissoras de rádio e quem não a colocar na programação perde, de fato, audiência.
A influência estrangeira sempre esteve presente em nossa música, porém reprocessada e misturada com originalidade, resultando em canções maravilhosas, que o mundo aprendeu a apreciar e admirar por sua alta qualidade. O Brasil ganhava contorno de unidade nacional através das emissoras de rádio, irradiava música para todo o país. Através das ondas médias, a nossa música "estourou no norte" com baiões, sambas, marchinhas, boleros e toadas que se abrigavam no imaginário popular e davam vazão aos sentimentos. Nuances que nossa música continua a exprimir. A música se desloca para a praia, com acordes dissonantes e influências jazzísticas e de um jeito mais intimista surge então a bossa nova. Um jeito diferente de cantar o samba, garantindo a mudança que a música procurava e levando seu alcance para além das fronteiras do Brasil. Nossa música ganha o mundo!
A Mangueira segue sua viagem no tempo e cruza com a Jovem Guarda. De estilo mais romântico, mais ingênuo, revelava um país que abruptamente mudava. Nessa mesma época surgia o Tropicalismo passando o Brasil a limpo e assumindo as nossas diferentes nuances de ser: nuances de erudita, brega, sofisticada com muita criatividade, sendo a alegria a prova dos nove na Geléia Geral Brasileira. Somos pais genuínos da improvisação, da beleza pura!
E mesmo sob os sombrios anos de ditadura, nossa música soube driblar os rigores da censura de forma criativa, afirmando cada vez mais seu papel de porta-voz da liberdade democrática. Os festivais de música revelam novos talentos e multiplicam-se os gêneros de norte a sul, fundindo-se e aumentando nosso espectro musical com outras mensagens, outros códigos. Nossos ouvidos se abrem para outras paisagens musicais e a música brasileira ganha definitivamente uma nova sigla: MPB. Brasil mostra sua cara!
E a cada década vai se reciclando ao som das guitarras, das baladas, relendo o rock, agora tomado como nosso: exagerado, romântico, ingênuo e divertido, assim como o funk, originários dos guetos, também atingem todas as classes sociais.
O samba das Escolas de Samba do Rio de Janeiro é um capítulo à parte nessa história da música do Brasil. O samba traz o mundo para cá. E a Estação Primeira de Mangueira é a expressão máxima desse gênero. Dessa verdadeira Escola de bambas ouvimos canções de Cartola, Nelson Cavaquinho, Nelson Sargento, Padeirinho e Hélio Turco, entre outros?
A voz do Rei da Sapucaí, Jamelão, ainda ecoa em nossos ouvidos? São tantos os artistas que em suas músicas respiram a Mangueira: Alcione, Beth Carvalho, Leci Brandão, Rosemary, Emilio Santiago e tantos outros, que não daria para dissociá-los de sua história e trajetória. Nesse carnaval o palco é a Passarela do samba e a Mangueira é Música do Brasil! É Show...

Jayme Cesário e Jorge Caribe – Carnavalescos

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